sábado, 30 de outubro de 2010

Rock brasileiro, de antropofágico a tipo exportação

O rock no Brasil reproduziu na maior parte da sua história os movimentos e as tendências do rock britânico e do norte-americano. Isso não é de se estranhar em se tratando de um gênero artístico que se tornou universal. Amparado no gosto e nas aspirações da juventude e numa poderosa indústria cultural – ou vice-versa –, o rock virou um fenômeno que partiu do sul dos Estados Unidos para alcançar e se estabelecer nos países ricos, medianos e pobres, ocidentais e orientais. Seu passado subversivo e sua fórmula artística simples e acessível colaboraram para isso. Mas em alguns raros e curtos momentos, como no movimento tropicalista e nomanguebeat, o rock brasileiro conseguiu mostrar originalidade e oferecer, mesmo sem ser aproveitada, alguma contribuição para o mundo.
A história do rock no Brasil começa na década de 50, um pouco depois da eclosão do gênero nos Estados Unidos. Os lançamentos dos filmes “Sementes da Violência” (Blackboard Jungle, dirigido por Richard Brooks, 1955) e “No Balanço das Horas”
(Rock Around the Clock,
dirigido por Fred F. Sears, 1956) nos cinemas brasileiros tornou popular o novo gênero da canção entre a juventude. As gravadoras viram nesse interesse dos jovens uma oportunidade para lançar o rock brasileiro. Mas fizeram isso a partir de versões em português dos sucessos norte-americanos, cantadas por artistas estranhos ao gênero, como Nora Ney e Agostinho dos Santos. Assim como nos Estados Unidos, o rádio foi fundamental para a popularização do rock no Brasil. No final dos anos 50, programas de rádio comandados por DJs, como Clube do Rock, com Carlos Imperial na Rádio Tupi, faziam sucesso e ajudavam na formação dos primeiros roqueiros no país.


A fase de versões de sucessos norte-americanos prosseguiu no começo dos anos 60, mas pelo menos com ídolos que se identificavam com a juventude, como os irmãos
Celly e Tony Campello. O interesse da televisão pelo sucesso do rock ajudou a impulsionar ainda mais sua popularidade, que atingiu seu primeiro auge em 1965 com o lançamento do Jovem Guarda, programa dominical da TV Record. O programa projetou nacionalmente Roberto Carlos, Wanderléa, Erasmo Carlos, Renato e seus Blue Caps, Ronnie Cord e The Fevers, entre outros. A rebeldia e o imaginário urbano eram os elementos essenciais do rock no Brasil. Na Jovem Guarda, esses elementos também estavam presentes, mas carregados de ingenuidade, e os temas das canções giravam em torno da figura do “playboy”. No final da década de 60,




a guinada que o rock anglo-americano deu com o psicodelismo alcança as terras brasileiras e influencia o movimento tropicalista, que propunha uma ruptura com a tradição da música popular brasileira e tinha pretensões de internacionalizá-la. Uma das novidades da estética
tropicalista era justamente a de incluir os instrumentos eletrificados e as sonoridades do rock e misturá-las com os ritmos tipicamente brasileiros. Pretendiam os tropicalistas realizarem na canção a proposta do Manifesto Antropofágico, feita pelo movimento modernista cerca de quatro décadas antes.
Isto é, incorporar o que de mais moderno está acontecendo na arte no exterior e a partir daí produzir
uma arte brasileira, original, moderna e internacional. No tropicalismo, quem melhor realizou isso em relação ao rock foram Os Mutantes, que misturaram ao rock psicodélico da época elementos do samba, da umbanda e da música caipira, entre outros. Pela qualidade e inventividade de suas canções, Os Mutantes tornaram-se um grupo de rock nacional com espaço na imprensa especializada internacional e uma referência de um rock brasileiro e alternativo.

No caminho aberto pelos Mutantes, vieram Os Novos Baianos e Alceu Valença com uma mistura de rock e ritmos brasileiros, como o samba e o forró. Outras incursões originais do rock nacional na primeira metade da década de 70 foram os
Secos&Molhados, que misturavam o glam rock a elementos folclóricos brasileiros, e o grupo Joelho de Porco, com seu rock experimental e pré-punk. Os demais grupos e artistas no cenário roqueiro nacional reproduziram os estilos e temas do que se estava fazendo lá fora. Entre o final dos anos 60 e o dos 70, o psicodélico, o progressivo, o hard rock e o rhythm’n’blues britânico davam o tom do rock brasileiro, com destaque para grupos como Made in Brazil, O Terço, Patrulha do Espaço,
Casa das Máquinas e o Tutti Frutti, entre outros. Nessa época, Rita Lee, ex-vocalista de Os Mutantes, e Raul Seixas eram os grandes nomes do rock nacional. Raul Seixas conseguia fazer uma aproximação do rock’n’roll clássico com alguns elementos brasileiros. Mas

o rock da segunda metade dos anos 70 no Brasil era pouco criativo e não foi páreo para a invasão da música disco (discotéque), que dançante, sensual e bem humorada varreu o rock da mídia e das paradas de sucesso.
A reação viria na década de 80. Totalmente inspirado pelos movimentos do rock internacional do final
dos anos 70 e começo dos 80, como o punk-rock, o pós-punk britânico, a new wave e o rock gótico, entre outros, surge na década de 80 um rock mais próximo do pop, construído por novos nomes vindos principalmente de São Paulo, Rio, Brasília, Salvador e Porto Alegre, e embalado pelo processo de redemocratização que o Brasil vivia, após quase duas décadas de ditadura militar.
O país passa também a receber nos anos 80 mais shows dos grandes nomes do rock internacional. O ponto alto dessa nova realidade foi a realização em 1985 do Rock in Rio, que reuniu artistas de peso vindos do exterior com a nova safra do rock brasileiro oitentista. Sucesso estético e comercial, o poprock brasileiro dos anos 80 deixou uma herança invejável de canções, shows e artistas, como Legião Urbana, Os Paralamas do Sucesso, Titãs, Ira!, Lobão, Cazuza e Barão Vermelho, entre tantos outros.

Mas, da mesma forma que a disco music atropelou um rock esgotado no final dos anos 70, o pop-rock brasileiro já sem muita inventividade ao final dos anos 80 foi suplantado pela onda do pop sertanejo e da axé music que varreu o país na virada para os anos 90.


A recuperação do rock nacional na década de 90 vem do sucesso internacional do grupo de thrash metal Sepultura, da mistura de punk-rock com ritmos nacionais de os Raimundos e da originalidade do movimento manguebeat, que surge em Pernambuco e surpreende o cenário do pop-rock nacional. A fusão do maracatu com rock, música
eletrônica e hip-hop criou uma sonoridade totalmente original que, acompanhada de letras que retratam de forma crítica a realidade social e comportamental, tornou
o manguebeat ao lado do tropicalismo os únicos momentos de um rock brasileiro inventivo e com potencial para se internacionalizar. Mas a morte prematura de Chico Science, um dos expoentes do movimento, tirou bastante do fôlego do manguebeat para essa trajetória.
A partir da segunda metade dos anos 90, o rock brasileiro assistiu ao ressuscitar de bandas e sucessos do pop-rock brasileiro dos anos 80. Impulsionadas pela série Acústico, promovida pela MTV Brasil, uma série de grupos como Titãs, Capital Inicial, Paralamas do Sucesso, Ultraje a Rigor e Ira!, entre outros, fazem regravações de seus antigos hits e voltam a ocupar os meios de comunicação e as
paradas de sucesso. O que provava que nada de muito novo estava acontecendo no mainstream dorock nacional naquele momento.
O novo milênio para o rock brasileiro começou com o sucesso mais lá fora do que no país do Cansei de Ser Sexy, grupo ligado à cena indie rock. E é dessa cena indie, assim como nos Estados Unidos e no Reino Unido, que surgem as principais novidades do rock nacional nos anos 2000, numa confirmação de que, salvo o tropicalismo e o manguebeat, as mortes e ressurreições do rock brasileiro praticamente acompanharam os altos e baixos e as tendências internacionais do gênero.

Nenhum comentário:

Postar um comentário